A isenção do IPVA para as pessoas com deficiência

É cediço que existem várias pessoas com deficiência, sejam elas físicas, sensoriais ou cognitivas, ensejando assim um respaldo da nossa legislação, ante as suas dificuldades. Muitas dessas pessoas necessitam de tratamentos ininterruptos com uso contínuo de transportes para se locomoverem. É necessário, contudo, um automóvel para suprir as necessidades de locomoção da pessoa com deficiência, que pode consistir em transportar cadeiras de rodas, sacolas, equipamentos, funcionários que as acompanham no tratamento, etc.

Assim, a Legislação de regência Federal n.º 8.989/1995, com as alterações da lei n.º 10.690/2003, dispôs sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI, para a aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros das pessoas com deficiência, sendo estes motoristas ou não do veículo.

O princípio da igualdade vem encartado no art. 5º[1] da Constituição de 1988, sendo um direito fundamental a todo indivíduo. Entretanto, essa igualdade seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais.

Trata de que todos são iguais perante a lei, mas isso não leva a conclusão de que todos os cidadãos têm que ser iguais uns aos outros. A lei por sua vez, pode criar distinções justamente visando à igualdade e não criar maiores desigualdades.

A regra da igualdade no nosso ordenamento jurídico é da igualdade formal, e não a social ou a econômica.

Nesta quadrante obtempera Uadi Lammêgo Bulos[2] onde evidencia que a existência da igualdade proporcional é o que se deve observar:

“Os homens nunca foram iguais e jamais serão no plano terreno. A desigualdade é própria da condição humana. Por possuírem origem diversa, posição social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente idêntico aos seus semelhantes em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se buscar uma igualdade proporcional, porque não se pode tratar igualmente condições provenientes de fatos desiguais”.

A despeito da existência da norma Constitucional do princípio da igualdade, lamentavelmente, com a alteração promovida pela Lei Estadual n°.  17.293, de 15/10/2020 e pela posterior sanção da Lei Estadual nº. 17.302, de 11 de dezembro de 2.020 o qual atribuiu início de vigência e fato gerador do tributo,  a mesma permitiu a isenção do IPVA de um único veículo, de propriedade de pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual. A par disso, estão impedidos de usufruir da benesse legal com isenção de IPVA, em face do posicionamento do Fisco Paulista, que não reconhece o direito de quem tem deficiência física, mas não precisou de adaptação no veículo e consegue dirigir. Não bastasse a discriminação em si, o novo texto legal causa uma exclusão entre os próprios deficientes.

Como se vê, chegaríamos ao absurdo legislativo de uma pessoa com a amputação da perna direita que necessitaria de adaptação, com a inversão dos pedais do acelerador e do freio e, assim, seria contemplada com a isenção de cobrança de IPVA, ao passo que aquele com amputação da perna esquerda que necessitaria somente de um carro com câmbio automático não seria isento do IPVA, ainda que com grave e idêntica limitação de mobilidade.

O Estado de São Paulo, não obstante ser o propulsor econômico, cultural e social do país, em certos temas se mostra bastante arredio e atrasado em reconhecer direitos já consagrados na Constituição Federal e que fazem parte de um mundo moderno, caso também atribuído ao pagamento dos precatórios judiciais, em especial aos alimentares, que não raras vezes chega o servidor estadual a falecer e nem sequer recebe o dinheiro para usufruí-lo.

No caso das isenções, não se trata de ofertar benesse aos deficientes em razão de um duvidoso sentimento de caridade do administrador público, mas, simplesmente, porque a Constituição Federal assim o determina.

As pessoas com deficiência, qualquer que seja ela, motora, sensorial, cognitiva, essa pessoa é humana, no que diz respeito à sua dignidade e direitos, pouco importando, condição absolutamente secundária, qual seja, de ser ou não condutor do veículo automotor e ser ele customizado e adaptado.

O art. 46 da Lei Brasileira da Inclusão estabelece que o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso. ( Art. 46)

Nesse caso, forçoso é concluir que tal conduta praticada pelo Estado de São Paulo viola os princípios basilares da Constituição Federal, como os princípios da igualdade e da isonomia, ao estabelecer tratamentos desiguais para pessoas sujeitas à mesma situação, pois concede o benefício para alguns deficientes físicos motoristas e não contempla outros que não precisaram de adaptação e são motoristas.

Não se desconhece eventuais abusos e fraudes para obtenção da isenção, o que deverá ser de fato fiscalizado e punido pelo próprio Estado conforme preconiza a própria Lei. (Art. 13-A, §3º e 4ºda Lei Estadual nº. 17.302/2020). Contudo, constata-se evidente violação da igualdade jurídica pelo fato da disciplina legal estabelecer diferenciação sem um fundamento razoável, pois ao que tudo indica, a alteração legislativa teve como finalidade primordial a arrecadação estadual de tributo.

O direito à igualdade surge como regra de equilíbrio dos direitos das pessoas com deficiência. Toda e qualquer interpretação constitucional que se faça, deve passar, obrigatoriamente, pelo princípio da igualdade. Só é possível entendermos o tema da proteção excepcional das pessoas com deficiência se aplicado corretamente o princípio da igualdade. A igualdade, desta forma, deve ser a regra mestra de aplicação de todo o entendimento do direito à integração das pessoas com deficiência, permitindo, portanto, a isenção de IPVA por pessoas com qualquer tipo de deficiência.

REFERÊNCIAS

 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 05 de outubro de 1988.

BULOS, Lammego Uadi.Constituição Federal Anotada. São Paulo: editora Saraiva, 2003.

MORAES, Alexandre de.Direito Constitucional. 23 ed.São Paulo: Atlas 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

[1]Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (…)

[2] BULOS, Lammego Uadi.Constituição Federal Anotada. São Paulo: editora Saraiva, 2003, p.117

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