Mulheres com deficiência podem engravidar?
“É impressionante o espanto da sociedade em geral sobre o fato de que mulheres com deficiência, inclusive física, podem engravidar e ser mães”.
Essa frase foi muito bem colocada lá nos idos de 2012, pela então Coordenadora da Área da Saúde da Pessoa com Deficiência, do Ministério da Saúde, Vera Mendes.
E por que começo este texto com essa frase? Simples. Porque isso nos faz refletir o quanto o “estigma” da deficiência se sobrepõe à pessoa HUMANA.
Me chamo Luiz Boccato, sou médico ginecologista e obstetra, e quero lhes dizer que: “Mulheres com deficiência podem engravidar”.
Até há pouco tempo, eu, médico, formado há 16 anos, não sabia metade do que sei hoje sobre “deficiências”.
Mulheres com deficiência frequentemente ouvem frases como: “Você tem certeza que quer engravidar?”, “Você acha que vai dar conta?”, “Alguém vai te ajudar, né?”,” Você é fertil?”
Muitas vezes, mulheres com deficiência ouvem frases capacitistas como estas, ditas por pessoas bem próximas e que as amam. E por amá-las só querem as “proteger”. Não cabe a nós “julgá-los” por essas frases.
Eu também imaginava estar “protegendo” quem necessitasse.
No entanto, antes de proteção, pessoas com deficiência precisam de respeito e inclusão.
E isso descobrimos com a vida, com as pessoas, com INFORMAÇÃO.
Por isso precisamos conversar e escrever sobre o assunto.
É esperado entre as famílias, que com o amadurecimento das filhas, por volta dos 30 anos, haja uma crescente cobrança por um neto ou uma neta.
No entanto, ao ouvir relatos de mulheres com deficiência, muitas referem que essa “cobrança” não aconteceu com elas.
Sabem o porquê? Porque faltou informação a essa família.
As famílias de mulheres com deficiência podem e devem desenvolver intimidade para abordar esse assunto de forma natural, sem medo. Se não há de fato, nenhuma particularidade que tenha afetado sua fertilidade, o assunto pode e deve ser abordado com quem se tem intimidade.
E os desafios da maternidade? Tem?
Claro que tem!
Mães com deficiência, como qualquer outra mãe, trocam fraldas, dão banho, levam à escola, dão broncas, educam. Muitas vezes suas cadeiras de rodas são os andadores de seus filhos. Entre uma e outra brincadeira, aquelas crianças correm até suas mães, dão um beijo carinhoso e retomam o que estavam fazendo. Simples assim, sem preconceitos e sem julgamentos. Certamente, essas crianças entenderão naturalmente o significado de empatia e diversidade.
Uma das lições que aprendi recentemente, foi que mulheres com deficiências, apesar dos diversos desafios, não são heroínas, não são guerreiras… São pessoas que precisam de ajuda, assim como todos os outros casais que tem filhos.
E mais do que ajuda, precisam de respeito, credibilidade e empatia.
Precisam, como todas as mães, de acolhimento e apoio.
E o pré-Natal?
Como toda mulher, aquela que deseja engravidar deve agendar uma consulta previamente à gestação. Nessa consulta, com seu obstetra de confiança, poderão ser identificados os fatores de risco em potencial para cada futura mamãe.
Independentemente de deficiências físicas, é neste momento que se estabelece a peculiaridade de cada caso e as medidas a serem adotadas.
O procedimento durante a gestação de uma pessoa com deficiência segue o mesmo fluxo de qualquer gestação. As orientações são particulares a cada gestação independente da deficiência, que neste caso, é considerada apenas como uma condição a mais a ser observada, mas que não significa obrigatoriamente gravidez de risco.
Em muitos casos, a orientação é que a gestante seja acompanhada por outros profissionais como fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais que a auxiliem na realização de exercícios terapêuticos e na reordenação de suas atividades cotidianas, visando atenuar, por exemplo, problemas circulatórios.
Chegamos ao momento do parto
Eu costumo dizer a todas as gestantes que o parto deve sempre ser individualizado. Sempre.
Dessa forma, não é prudente contraindicar um parto vaginal em uma mulher com uma paraplegia, por exemplo. Depende muito de outros fatores associados. Também, não é prudente indicar um parto cesariana sem conhecer a condição clínica daquela mulher. O que temos a fazer é procurar equilíbrio entre o parto humanizado e o desejo do casal que se apresenta. E isso somente se conquista com meses e meses de convívio durante o pré-natal.
Concluo dizendo que mulheres com deficiência devem agir como donas de seus corpos e exercer sua autonomia. Encontrarão obstáculos? Sim. Mas com ajuda, tudo se torna mais fácil, mais fluido. O fato de estar em uma cadeira de rodas, por exemplo, não deve impedir qualquer mulher a querer e poder viver a maternidade.
Dr. Luiz Fernando Silva Boccato – Médico Ginecologista e Obstetra
Excelente texto, parabéns.
Muito esclarecedor.
Você transmitiu com conhecimento e humanidade valores até então desconhecidos.